"A criança pequena se organiza com rituais. Ela gosta de limites", a afirmação é de Marizabel Almeida, orientadora do Ensino Fundamental da Lua Nova que, ao lado de Ana Manoela Costa dos Santos, também orientadora do Ensino Fundamental, desempenhou o papel de mediadora da primeira Roda de Pais do ano. O tema: A Problemática dos Limites na Educação retorna mais uma vez como o mais escolhido pela enquete feita com os pais e torna a definir o tom do bate papo promovido pela Lua Nova há cerca de 14 anos. Nos últimos quatro ou cinco anos o tema tem aparecido de forma cada fez mais frequente.
"Este é um tema que mexe muito com todo mundo. A questão é mais nossa - pais, e a dificuldade que temos de trabalhar com isto", arrisca um dos mais de 30 pais e responsáveis que apareceram na última segunda feira, 31 de março, na sede da Lua Nova para compartilhar suas experiências e conhecer outras possibilidades de lidar com os limites na educação de seus filhos.
Inicialmente a conversa circulou sob o foco do que é limite, para logo esbarrar na concordância de que limite não é a vontade do pai ou da mãe, e sim o que é tolerável no circuito da vida. Que o limite é um elemento estruturante do comportamento que irá contornar o adolescente e o adulto de amanhã. E que se não forem estabelecidos limites claros ainda na primeira infância, corre-se o risco de contribuir com a formação de uma criança angustiada, despreparada para os desafios da vida.
Para Ana Manoela falar de limites é esbarrar em outra questão - a transmissão de valores. "O que a família cultiva? o que é importante para esta comunidade? Pois tudo começa em casa para se desdobrar na cultura”, diz. “E valor não se ensina, se transmite", completa Marizabel. A discussão avança com a conclusão de que há clareza em relação à necessidade de se estabelecer limites. "O que não sabemos é quais são estes limites? Como dar o limite?", respondem de lá os pais.
"As crianças estão com um poder de argumentação muito grande hoje em dia, pois elas são expostas a uma variedade incrível de informações e hoje se dá mais espaço de decisão para elas em todos os âmbitos. Há situações em que estes argumentos são muito bons. Em alguns momentos ficamos felizes com eles, mas na hora de dar os limites toda esta argumentação nos desarticula", confessam. Percebe-se que o desafio é grande, afinal, para a maioria dos pais presentes na Roda, a diferença entre a criação de seus pais e a criação que querem dar a seus filhos é grande. "Nós tivemos uma educação mais rígida, com menos diálogo, com menor poder de decisões”.
Este distanciamento de realidades coloca os pais diante da carência de um modelo que sirva como referência para lidar com a imposição de limites diante de uma criança cada vez mais argumentativa. "Você vê seu filho argumentando tão bem que você não vai assassinar isto. E, às vezes, de um forma tão boa que é preciso ter a humildade de admitir que ele tem razão em algumas coisas", arrisca um pai. Mas porque agora a criança tem voz, é ela quem vai decidir? O que é mais difícil? Uma criança que vive no restritivo ou uma criança com muita liberdade? Como ela vai lidar com isto mais tarde? As mediadoras questionam. E mais, afirmam que o limite é organizador, é estruturante, dá uma contingência necessária à construção do sujeito.
"Eu estudei em uma escola muito liberal. Depois estudei em uma escola totalmente rígida, fui muito mais feliz na liberal, claro. E percebo que as pessoas que estudaram comigo nesta última são mais bem formadas, esclarecidas, felizes, mais bem colocadas", devolve para a Roda uma das mães presente no encontro. Mas o que é uma educação liberal? Será uma educação sem limites? Ou dar limites é ter papeis bem definidos, regras claras? As profissionais intervêm alertando que não dá para ter ilusões, e que toda educação é coercitiva.
"Pai não é um amiguinho qualquer. Amigos as crianças vão ter aos montes. O pai / mãe é um lugar de autoridade e de acolhimento. E autoridade não é autoritário", define Marizabel, que esclarece que liberal ou não, tem alguém que sabe e alguém que não sabe. "E isto é coercitivo, sim". E se é, há sempre alguém que vai dizer ao outro algumas coisas que ele não vai gostar de ouvir, e aí ele vai espernear.
As orientadoras do Ensino Fundamental lembram que a criança pequena se organiza ao encontrar espaços de interdição. Estes são os limites que elas precisam para reconhecer e lidar com o desejo do outro sobre ela.
O grupo discute e as trocas parecem gerar novas dúvidas, novos questionamentos. Mas é evidente que o conhecimento necessário para cumprir a tarefa de pai e mãe está presente na experiência de cada um, basta acessá-lo sem melindres em relação à função que exercem. "As regras quem dá sou eu, a criança pode até participar em alguns momentos, mas somos nós, os pais, que decidimos as regras". Afirma um dos responsáveis presente.
E mesmo depois de um longo tempo de discussão e algumas intervenções ainda surgiram afirmativas como "Não precisamos ficar angustiados porque somos cobaias, não temos modelo. A educação de meu pai teve a referência do meu avô, que teve referência do pai dele. As mudanças hoje acontecem mais rápido, o mundo é outro e a maioria de nós quer uma educação diferente para os filhos", vão finalizando a discussão ao passar das 21h. Acolhidos pela escola, e uns pelos outros, os pais admitem estar ali para "ouvir os vários eu acho" e tentar encontrar um caminho mais condizente com o estilo de cada um, garantindo, porém, os limites necessários na vida de seus filhos. As mediadoras reafirmam a posição da escola, os marcos teóricos que a referendam e o tempo de vivência que têm no fazer pedagógico.
E, diante de uma rica discussão que nunca se esgota, a equipe da Lua Nova, juntamente com os pais e responsáveis presentes, lança a sugestão de realizar um rodízio temático para as próximas Rodas de Pais. A ideia é utilizar os temas mais votados em segundo, terceiro e quarto lugares nos próximos encontros, já que a escola organiza uma média de quatro ao ano. Desta forma é aberta a possibilidade de colocar na Roda outros assuntos de interesse da Comunidade Lua Nova e que também foram votados na enquete deste ano.
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